Como é sabido, a prisão civil do devedor de pensão alimentícia no Brasil, não é uma punição (pena ou sanção), mas uma forma de persuadir o...
Como é sabido, a prisão civil do devedor de pensão
alimentícia no Brasil, não é uma punição (pena ou sanção), mas uma forma de
persuadir o responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável a quitar a
obrigação, conforme o artigo 528, § 3º, do CPC/ 2015, que confere efetividade ao artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal.
No entanto, não é justificável sua decretação se
for ineficaz para compelir o devedor ao pagamento da dívida, mesmo nos casos em
que o débito se avolumou de forma significativa.
Seguindo esse prisma, por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) deu provimento a um recurso em Habeas Corpus ( RHC nº 176091/ RJ)
para um homem que deve R$ 42,8 mil de pensão alimentícia.
A filha, representada pela mãe, requereu a prisão
civil do pai para obrigá-lo a quitar a dívida. No HC, o homem defendeu que passou por períodos de desemprego,
nos quais fazia pagamentos parciais de acordo com suas possibilidades
financeiras.
Em janeiro do ano passado 2022, o homem conseguiu
emprego com carteira assinada e uma decisão liminar para reduzir o valor da
pensão. Ele passou a receber R$ 1,8 mil por mês e a pagar R$ 496,85, descontados
direto da folha de pagamento.
O magistrado considerou que a obrigação vem sendo
regularmente cumprida, e a manutenção da prisão civil, “além de não se mostrar
legítima, também não parece ser o melhor caminho, inclusive para a própria
alimentada, ante a possibilidade de nova interrupção do pagamento,
comprometendo o equilíbrio finalmente alcançado entre as partes".
No entendimento do relator, ministro Raul Araújo, o
calote não foi voluntário e inescusável, pois ficou comprovada a incapacidade
financeira do pai de arcar com a pensão da filha em sua totalidade. Atualmente,
a obrigação vem sendo regularmente cumprida. Também não foi identificado risco
para a filha, nem urgência na percepção da dívida acumulada.
O ministro destacou, porém, que o valor ainda
precisa ser pago. Pode a cobrança prosseguir por meio mais adequado, restrito à
disponibilidade patrimonial do devedor, ou seja, pelo rito da penhora.
O julgado restou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO
EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECRETO DE PRISÃO.
DÍVIDA PRETÉRITA ACUMULADA EM RAZÃO DE DESEMPREGO. PAGAMENTO PARCIAL DA PENSÃO
DURANTE TODO O PERÍODO DE DESEMPREGO. ATUAL ADIMPLEMENTO DA PENSÃO REDUZIDA EM
AÇÃO REVISIONAL. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA. LIMINAR CONFIRMADA.
1. A prisão civil do devedor de alimentos, com fundamento no art. 528, § 3º, do CPC/2015 (art. 733, parágrafo único, do CPC/1973), não é pena ou sanção, mas técnica jurisdicional, de natureza
excepcional, voltada ao cumprimento da obrigação pecuniária, não se
justificando quando for ineficaz para compelir o devedor a satisfazer
integralmente o débito que se avolumou de forma significativa.
2. Os autos comprovam que o paciente passou por longo período de
desemprego, razão pela qual não teve como cumprir a obrigação nos termos em que
avençada (90% do salário mínimo),
realizando sempre pagamentos parciais, dentro de suas possibilidades. Não
obstante empregado atualmente como operador de computador, o paciente recebe o
equivalente a R$ 1.800,00 (valor
bruto), não se encontrando em condições de quitar a dívida pretérita,
acumulada desde 2018, de R$ 42.851,50 (atualizada em fevereiro de 2022).
3. Não se nota o risco para a alimentada, nem urgência na percepção da
dívida pretérita acumulada, já que, além de receber atualmente a pensão
alimentícia descontada em folha de pagamento, no montante de R$ 496,85, em
virtude de decisão proferida em ação revisional, também recebe, desde
10/12/2020, alimentos do avô paterno no valor de 10% dos seus proventos de
oficial de justiça aposentado.
4. Diante de tais circunstâncias, verifica-se que o inadimplemento não
se apresenta inescusável e voluntário, assim como previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII, para admitir, excepcionalmente, a prisão civil do
devedor de alimentos.
5. Recurso ordinário provido
para conceder a ordem de habeas corpus.
Liminar confirmada.
( RHC n. 176.091/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma,
julgado em 27/4/2023, DJe de 4/5/2023.)
Carlindo
Medeiros - Advogado
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